Nos bastidores do fotojornalismo
- Larissa Zeferino
- 28 de mai. de 2021
- 5 min de leitura
Da rotina das favelas no Rio e do exército até o chocante rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, fotojornalistas compartilham o que existe por trás dos cliques
Quem já ouviu a frase “uma imagem vale mais do que mil palavras” pode não saber o que é fotojornalismo, mas sabe o que é assimilar uma carga de informações sem ler um texto. É isso que esse gênero jornalístico faz: deposita em fotografias as situações que, talvez, não fosse possível explicar em palavras.
A rigorosa rotina do exército, e o violento - mas também cheio de generosidade - cotidiano das favelas do Rio de Janeiro são algumas dessas situações. Outros casos são os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho, marcados por dor e união.
Nós conversamos com as fotojornalistas que clicaram esses momentos. À Há Nexo, elas contam o que buscam transmitir nas imagens e as histórias que existem por trás delas.
“Eu prefiro que meu trabalho vá contra essa narrativa de corpos negros e favelados em situações ruins. A favela vai muito além disso” - Jéssica Batan
Quando escolheu ser jornalista, Jéssica Batan, de 28 anos, viu na profissão a oportunidade de participar ativamente da história através da narrativa jornalística. Já o fotojornalismo surgiu na vida da moradora da Zona Oeste do Rio de Janeiro como uma forma de se aproximar de narrativas com as quais se identifica. Em seus trabalhos, Jéssica busca denunciar as desigualdades sociais e retratar a vida nas favelas do Rio com respeito e afeto. “Eu prefiro que meu trabalho vá contra essa narrativa de corpos negros e favelados em situações ruins. A favela vai muito além disso”, diz.

Foi esse olhar que possibilitou à carioca levar o seu trabalho ao exterior: em 2019, Jéssica expôs suas obras na The Other Art Fair de Londres, feira voltada para talentos e artistas emergentes. “Expor numa das maiores metrópoles do mundo foi uma experiência surreal, uma das coisas mais incríveis que eu já fiz e espero ter a oportunidade de fazer de novo”, conta. A foto ao lado foi uma das expostas pela fotojornalista em Londres. Nela, ganha destaque o afeto entre o pescador Negão e seu cachorro e melhor amigo. “Não foi uma cena forçada, o cachorro anda desse jeito no Negão o tempo todo. É como se o dono fosse uma ilha para ele”, explica.
Jéssica considera que a fotojornalismo deve ir além da estética. “É fundamental escutar e ter um bom olhar para o sentimento alheio. Ter a noção de que tem uma pessoa na sua frente com uma história enorme para contar”.
Para ela, o dia a dia da fotografia documental e de rua se dá no equilíbrio entre se identificar com o fotografado e, ainda assim se retirar da narrativa, torná-la objetiva “É importante saber separar a sua própria vivência”, opina.

A primeira pessoa a fotografar a rotina do exército é uma menina
“Ficam surpresos por eu ser mulher e tão jovem”, conta Paula Mariane da Costa, de 23 anos. A garota foi a primeira civil a fotografar, em longa duração, a rotina do Exército Brasileiro. O trabalho foi intitulado “Como nascem os soldados? Uma menina dentro do Exército”.
A ideia da fotojornalista nasceu durante um estágio na Escola Preparatória de Cadetes do Exército de Campinas, durante o qual percebeu que grande parte da população desconhecia o funcionamento de instituições militares.
Ao fim do estágio, Paula conversou como o comandante da escola sobre a possibilidade de continuar os registros. “Ele me deixou ficar o tempo que precisasse. Assim, registrei toda a turma de 2016 e os acompanho até hoje, agora na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN)”, conta.

“Aquelas tradições, rituais, cerimônias que existem há muito tempo ajudam a criar laços de irmãos. No fim já era todo mundo família. Eu, inclusive. Nem parecia que estávamos lá porque um dia, talvez explodisse uma guerra" - Paula Mariane
Questionada sobre qual conselho daria para as meninas que buscam ocupar lugares majoritariamente masculinos, como o Exército, Paula frisa a importância de persistir e se ater a ideais. “Temos que entender que o que está em jogo não é só nós, mas aquilo que acreditamos. O seu trabalho pode mudar o rumo da história. Não existe lugar que não seja pra gente”, diz. A jornalista enfatiza que estudar e buscar sempre o aperfeiçoamento é essencial, além de sempre corre atrás dos próprios méritos

"A sensibilidade que o fotógrafo tem de captar cenas pode trazer um novo sentido para o jornalismo atual” - Paula Mariane
A jornalista relata que sente falta de trabalhos fotográficos no jornalismo atual, e que anseia pela valorização da fotografia profissional, juntamente com a riqueza de detalhes e sentimentos atreladas a ela. “Entre jornalistas, o fotojornalista tem uma sensibilidade diferente, é como se o nosso trabalho traduzisse olhares” finaliza.
Trabalho honesto ético e respeitoso
Quando comprou uma câmera com os primeiros salários que ganhou como estagiária de design de ambientes, no ano de 2012, a mineira Isis Rigueira Medeiros, de 30 anos, não imaginava que se tornaria um dos grandes nomes do fotojornalismo no Brasil. E ela nem precisou de muito tempo para isso. Em 2013, com a Copa do Mundo iminente, Isis fotografou os protestos feitos antes e durante o torneio. Os cliques foram os primeiros de uma carreira que inclui registros de momentos políticos históricos, que rodaram o Brasil e o mundo, além de passagens por Mariana e Brumadinho.
A fotógrafa, que participou de inúmeros protestos em diversas cidades do Brasil, frisa que acredita que o fotojornalista é um profissional ético, mas não necessariamente imparcial. “A gente fotografa o mundo do jeito que o enxergamos. Não acredito em fotojornalismo isento numa manifestação. Uma imagem é uma construção de identidade, das nossas crenças, o que a gente tem como ideologia, como defesa”, opina.

“Na vida de fotojornalista, eu também já cheguei a ser agredida em manifestações. Por colegas de trabalho, civis, policiais...” - Isis Medeiros
Também foi Isis quem fez fotografias que expressam dor, união e solidariedade durante os rompimentos das barragens da mineradora Vale em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019. “Nesses lugares, não busquei ver e fotografar corpos. A violência daquela tragédia já era muito grande”, conta.

A fotógrafa relata que, às vezes, enquanto cobria Brumadinho, sentia-se novamente no cenário de Mariana. “O cenário da tragédia - não o físico-geográfico, mas como a cena se forma na situação do crime – foi muito parecido. Os atores, os responsáveis, os motivos, os poderes envolvidos e os profissionais eram os mesmos, conta.

“Senti as perdas e me envolvi com as histórias. Doeu, mas eu também fiz amigos que fazem parte da minha vida” - Isis Medeiros
É o que Isis responde quando é questionada se existe um lado bom em estar nos cenários e cobrir momentos tão difíceis. “A melhor parte de um trabalho honesto, ético e respeitoso é o que você colhe”, diz.
Reportagem elaborada por Bárbara Brambila e Larissa Zeferino para revista Há Nexo em 2020
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